No dia 29 de agosto, a fundadora do site Pink Vader, Laura Buu, decidiu se pronunciar, depois de quase dois anos do encerramento das atividades de seu site, a respeito do que realmente havia acontecido e o porquê havia deixado de escrever no espaço. O texto dela, muito sincero e bem escrito, foi apenas mais uma gota no oceano num assunto que não é novidade para nenhuma mulher: o machismo dentro da cultura nerd.
Primeiramente, é bom deixar claro que o machismo existe em tudo. Por estar enraizado na cultura desde os nossos primeiros momentos de existência (cor das roupas de bebê, cor do quarto, estereótipos sobre como são bebês menina e como são bebês menino), a desigualdade de gêneros perpassa todos os setores e etapas da vida de todos os seres humanos. Mas nesse texto o foco é apenas na cultura nerd por ser o assunto em pauta e por esta ter um diferencial significativo: a agressividade. Mas me adianto. Uma coisa de cada vez.
Não há consenso sobre como surgiu a cultura nerd ou até mesmo sobre o que significa a palavra nerd. Inicialmente associada a pessoas socialmente ineptas mas com bom desempenho acadêmico e/ou científico, passou também a agregar o fanatismo em torno de determinados tipos de entretenimento, sejam filmes, músicas, livros, desenhos, entre outros. Especialmente a partir da década de 1980, para se ser considerado nerd tinha-se que fazer bem mais do que usar óculos e ser motivo de chacota na escola. Tinha-se de, principalmente, gostar de Star Wars e Senhor dos Anéis (o livro ainda). As duas obras foram marcos definidores da cultura nerd. Também não pode deixar de ser mencionado o filme A Vingança dos Nerds, a partir do qual solidificou-se esse estereótipo na indústria do entretenimento.
Acontece que, desde o seu nascimento, a cultura nerd foi vista com preconceito pela sociedade. Eram pessoas “alternativas”, um rótulo sempre pesado de se carregar. O próprio filme mostra isso: adolescentes que são perseguidos e sofrem bullying pesado. Bizarro é que, especialmente nos últimos 20 anos, numa mudança inesperada, a cultura nerd passou a ser valorizada. A indústria do entretenimento descobriu um público fiel no consumo de seus produtos e disposto a gastar dinheiro com eles. Isso fez toda a diferença. Some-se a isso o fato de que muitos empresários e figuras públicas advém dessa cultura (Mark Zuckerberg, Bill Gates e Steve Jobs são apenas alguns exemplos) e o resultado foi uma mudança social de percepção desse público, atualmente com grande aceitação.
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Mas e o machismo? Porque dentro da cultura nerd este é tão exacerbado? Porque essa cultura é mais um espaço da vida pública e o machismo diz que as mulheres não devem ocupar nenhum espaço na vida pública, restringindo-se ao lar e mantendo-se lá. O machismo estabelece que a mulher deve ocupar-se apenas de agradar o marido e os filhos, limpando, passando, cozinhando. Tudo que vai além disso é transgressão. Tudo que não diz respeito ao lar e à subserviência é errado. E como toda opressão precisa também da adesão do próprio oprimido para funcionar, muitas mulheres em todo o mundo ainda são criadas para acreditar nisso. São incentivadas a não pensarem por si mesmas, a não ocuparem os espaços da vida pública, a não terem opinião. E o ciclo patriarcal prossegue dominante.
Como muitos espaços públicos, pelo que acabei de citar, a cultura nerd é dominada por homens. E muitos deles, até bem pouco tempo atrás, eram unânimes em ter na mulher apenas a objetificação. Uma rápida busca de imagens no Google mostra como muitas obras ícones da cultura nerd retratam as mulheres dessa forma. Isso quando retratam, não é mesmo? Em Senhor dos Anéis não há nenhuma mulher na Sociedade do Anel e elas aparecem muito pontualmente na história, claramente como coadjuvantes, com personagens que, se forem oprimidos ou substituídos, exercem influência zero no enredo. Já em Star Wars, não é Luke nem Han Solo que usam um biquíni dourado como isca para uma criatura grotesca. Na San Diego Comic Con deste ano, evento que é atualmente a Mecca da cultura nerd, várias mulheres cosplayers declararam ter sido vítimas de assédio, verbal e físico, com os mais ousados inclusive tentando “apalpar”, em claro ato de desrespeito e de chacota para com as participantes.
No caso de Laura Buu, um dos motivos que a fez desistir do Pink Vader foi o massacre que sofreu após ter tido a “ousadia” de “desafiar” uma das maiores “instituições” do mundo nerd atual: o Jovem Nerd. Ela afirmou que o “Nerdcast é bastante machista” e não concordou que “é ok assediar uma mulher só porque ela está de decote”. Ela emitiu opiniões, de cunho pessoal. E por ser mulher foi impiedosamente achincalhada. O funcionamento da cultura nerd, para muitos homens, é conforme ela mesmo disse: “eu NUNCA vou fazer parte de verdade desse grupo pelo único motivo que eu tenho uma vagina e bros before hoes”. E para espanto de ninguém ela relatou também que o Jovem Nerd pediu desculpas a ela apenas privadamente, sem, em nenhum momento, se retratar publicamente.
Várias vezes tivemos esses tipos de casos, nos quais mulheres relatam terem sido vítimas dessa agressividade virtual criminosa e cada vez mais popular. O que acontece muitas vezes, infelizmente, é que os casos vêm a público, a maior parte da comunidade virtual toca o fodas e segue a vida, as feministas são classificadas como mal comidas e ameaçadas de morte novamente. Só que dessa vez a comunidade decidiu se pronunciar. E a favor do que Laura estava pontuando. Com grande repercussão, o podcast AntiCast, do Brainstorm 9, lançou um programa com o nome de “Machismo no Mundo Nerd“, analisando a questão e usando a hashtag de divulgação, #AntiMachismoNerd, que chegou ao topo do Trending Topics São Paulo no Twitter. E muitos blogs e sites se disseram favoráveis a uma maior participação das mulheres na cultura nerd.
O Cinema de Buteco é uma exceção positiva dentro desse contexto machista, pois desde sua fundação teve mulheres em funções de destaque do seu quadro, conforme o próprio editor do site, Tullio Dias, relata.
A lição que fica de tudo isso é que, conforme a cantora Pitty disse no Twitter, as mulheres não vão voltar para a cozinha, os negros não voltam para a senzala nem os gays para o armário. Nós vivemos em um mundo mais inclusivo, onde tabus e preconceitos estão fadados a deixarem de existir e cada um é incentivado a ser como é e é aceito por isso. Já passou da hora da cultura nerd se adaptar a esse novo admirável mundo novo em que vivemos. E não haverá uma única pessoa a não se beneficiar disso. Mais amor, por favor.