O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir contém spoilers e deve ser apreciado com moderação.
PETER LAKE (COLIN FARRELL) É UM LADRÃO COM ALMA BONDOSA. Beverly Penn (Jessica Brown Findlay) é uma jovem ruiva que sofre de tuberculose. Pearly Soames (Russell Crowe) é o maléfico e cruel ex-chefe de Peter Lake. E isso é tudo que você precisa saber sobre os três.
Quando está sendo perseguido por Pearly Soames e sua gangue na Nova York de 1914, Peter Lake encontra um cavalo branco mágico e consegue se safar. O animal, então, escolhe uma casa para Peter Lake assaltar, ocasião em que o ladrão acaba conhecendo e se apaixonando por Beverly Penn. E Beverly Penn também se apaixona à primeira vista por Peter Lake. Quando Pearly Soames descobre isso, tenta matar Beverly, mas Peter e o cavalo branco intercedem, salvam a garota e fogem. Pearly tenta fazer um pacto com o diabo para prosseguir com seus planos contra o casal, mas o Lúcifer é vivido por Will Smith e nega o pedido. Mesmo longe do alcance de Pearly, Beverly corre perigo, está morrendo. Peter fala palavras bonitas. Peter e Beverly passeiam nas redondezas de uma propriedade de campo da família Penn. Peter ganha a confiança do sogro. Frases de efeito dominam os diálogos de Peter e Beverly. Peter e Beverly dançam. Peter e Beverly trocam olhares e mais palavras bonitas. Peter e Beverly transam. Beverly morre.
Embora o alerta de spoiler tenha sido dado, peço perdão por ter exposto no parágrafo anterior, com razoável riqueza de detalhes, 60% do que Um Conto do Destino tem para contar – e se porventura você achou o início desse texto aborrecido e maçante, é porque provavelmente ainda não assistiu ao filme. Adaptado por Akiva Goldsman a partir do inacreditável montante de setecentas e poucas páginas preenchidas com a imaginação aparentemente fértil e prolixa de Mark Helprin (e lançado pela primeira vez no Brasil em 2014, sob o selo da Editora Novo Conceito), o longa tortura o espectador com uma das histórias de amor mais insossas e monotônicas já contadas e, ao desistir dela no meio do caminho, passa a depositar suas fichas na rivalidade enfadonha entre o protagonista e seu algoz, que passa a ameaçar a vida de uma garotinha apresentada às vésperas do início do ato final da projeção.
Nessas circunstâncias, o elenco pouco pode fazer: ator normalmente talentoso e carismático, Colin Farrell (Sete Psicopatas e um Shih Tzu) se esforça ao máximo para conferir peso e credibilidade ao arco do personagem e à narrativa como um todo, mas é sabotado constantemente por um texto pobre e redundante. Pelas mesma razões, a bela e pouco conhecida Jessica Brown Findlay (da série Downton Abbey) atravessa a projeção exibindo essencialmente três expressões, mais que adequadas à unidimensionalidade da personagem: uma para medo e hesitação, outra para contentamento e uma última para ocasiões de curiosidade. E enquanto a sumida Jennifer Connelly (Pecados Íntimos) dá vida à jornalista menos cética do universo, capaz de acreditar em uma trama de fantasia numa rapidez alarmante (não é à toa que a personagem escreve sobre culinária e é frustrada profissionalmente), Will Smith volta a dar sinais da proximidade da aposentadoria ao aceitar mais um papel secundário duvidoso em uma produção ruim (após uma longa carreira dedicada quase exclusivamente a protagonistas), mesmo não havendo a pretensão de impulsionar a carreira de algum de seus rebentos (como havia ocorrido em Depois da Terra).
Para completar, Russell Crowe (Os Miseráveis) se embaraça na pele de um vilão terrivelmente irritante e caricatural, cujas motivações tornam-se gradualmente menos compreensíveis à medida que o filme avança – e nem mesmo se Akiva Goldsman conseguisse construir a atmosfera de fábula que a obra teoricamente se propõe a adotar, o personagem de Crowe estaria mais adaptado ao tom da narrativa. Aliás, como se não bastasse o excesso de arbitrariedade do roteiro (coincidências e conveniências são constantemente justificadas pela natureza fantástica da narrativa) e a estupidez dos personagens (Peter Lake, no auge de sua inteligência, decide libertar seu cavalo mágico alado justamente na ocasião em que é emboscado pela gangue de Soames), Goldsman – estreando na função de diretor em longas-metragens – julga que o espectador é desatento, além de idiota – e só a plaquinha de metal com os dizeres “City of Justice”, que exerce alguma função no desfecho, deve ser mostrada em plano-detalhe pelo menos vinte vezes ao longo da projeção.
Chamando atenção ainda pelas inconsistências temporais (provavelmente ocasionadas pela decisão do roteirista de trazer a segunda linha narrativa da década de 80 para os dias atuais e ignorar as adaptações necessárias), que nos obrigam a aceitar que uma senhorinha lúcida e ativa vivida por Eva Marie Saint possui mais de um século de vida, Um Conto do Destino é uma produção que acredita que a mistura de palavras como “milagre” ou “destino” com reflexões poéticas sobre estrelas, flares e uma trilha melosa de piano é suficiente para criar um romance de fantasia emocionante e digno de nota, mas acaba apenas aborrecendo e reafirmando a incompetência de seu diretor, produtor e roteirista.
Título original: Winter’s Tale
Direção: Akiva Goldsman
Gênero: Fantasia
Roteiro: Akiva Goldsman. Baseado no romance de Mark Helprin
Elenco: Colin Farrell, Jessica Brown Findlay, Russell Crowe, Jennifer Connelly, William Hurt, Eva Marie Saint, Mckayla Twiggs, Ripley Sobo, Kevin Corrigan, Graham Greene, Kevin Durand, Finn Wittrock, Matt Bomer, Lucy Griffiths e Will Smith.
Lançamento: 21 de fevereiro de 2014
Nota:[uma]