Crítica: A Chegada (2016)

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COMPREENSÃO.

O prefácio do livro da respeitada doutora Louise Banks (Amy Adams) articula a comunicação enquanto a primeira arma que se utiliza numa guerra. Embora a própria linguista afirme que aquilo não passa de um discurso fabricado, é impossível entendê-la, em sua essência, sob outra ótica.

 

O questionamento essencial é: se nós, homo sapiens, reagimos agressivamente àquilo que nos é diferente em nossa espécie, quão violenta seria nossa reação a uma espécie distinta, oriunda de outro planeta, a qual não nos fosse submissa? A brutalidade provocada pelo estranhamento passa determinantemente pelo fato de jamais termos sido capazes de compreender plenamente a comunicação, recurso imprescindível por nossa espécie desenvolvido – e, precisamente, aquilo que nos diferencia de todas as outras. A Chegada, no entanto, nos aponta um caminho esperançoso, e considerar esta obra de Denis Villeneuve provocadora de otimismo não atribui qualquer demérito à mesma; o longa não gera o “sorriso no rosto” ao final da sessão em decorrência de, como outras produções estadunidenses, conduzir todos os seus conflitos em direção ao cumprimento desta finalidade, mas por marcar uma contracorrente determinada. Diante de um estudo da comunicação que na contemporaneidade reflete uma visão de mundo notadamente amargurada – e inevitavelmente plausível -, o entendimento do roteiro de Eric Heisserer nos desperta a significação original e mais importante da comunicação no momento em que mais parecemos ter nos distanciado desta – um contexto factualmente assustador.

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Existe a possibilidade de que tenhamos atingido um nível do poço no qual, de fato, necessitaríamos de uma intervenção externa para recuperar as virtudes da empatia e da atitude humanitária; nosso retrocesso parece irremediável e, hoje, invejamos a ficção. Afinal, se superássemos o desafio de estabelecer pacificidade com uma espécie extraplanetária, não teríamos mais obstáculos para superar conflitos entre distintas religiões, ideologias, nacionalidades, profissões, orientações sexuais etc – estas diferenças, então, se apequenariam, atingindo sua verdade proporcional em comparação à grandeza da espécie humana. A visita alienígena, portanto, nos presenteia com a arma – nos enraivecendo por estarmos soberbamente satisfeitos em nossa bolha de retrocesso; significamos conforme o viés que desejamos atribuir.

 

A recuperação da ferramenta por nós desenvolvida, alcançada em sua plenitude, alteraria irreversivelmente nossa percepção do tempo. Há, a partir deste âmbito, um diálogo proposto por A Chegada com a concepção de história cíclica para o alemão Walter Benjamin, cuja relação, solidificada durante toda a trama, explicita-se apenas no momento adequado. A assimilação do tempo como circular no sentido do progresso humano, quando aproximada de nossos grandes conflitos, torna-se absolutamente plausível; a doutora Louise, inconscientemente, vive sem linearidade justamente em paralelo ao conflito humano-alienígena – conflitos, os humanos, ressaltam diariamente a repetição de uma máxima, à qual não parecemos capazes de nos desvencilhar, o “anjo da história” cujo aviso ignoramos solenemente. Mais do que isso, a consequência do entendimento extraterrestre enquanto afetação intensa da consciência da futura mãe é análoga a um aprendizado que também reflete a comunicação como ferramenta inevitável para a compreensão de outra cultura – ou seja, a abstração de si, de suas convicções prévias, é o passo fundamental para o entendimento do outro que poderá atingir a plenitude (sonhar, pensar, num outro idioma, desvencilhar-se de um hábito).

 

A Chegada compreende a compreensão. Esta enquanto caminho para o alcance da harmonia, da paz, do amor. A comunicação como única forma de atingi-la. Uma espécie, esta humana, que poderia sobreviver sem a ciência, sem a tecnologia, sem o dinheiro, mesmo sem a arte; mas não, não sem a comunicação.