OS DOIS FILMES DO HOMEM-MORCEGO DIRIGIDOS POR CHRISTOPHER NOLAN viraram o novo parâmetro para o personagem, graças a um elenco inspirado – Heath Ledger conseguiu a proeza de fazer o povão esquecer a memorável performance de Jack Nicholson no “Batman” de 1989 – e um estilo “fantasioso-pé-no-chão” (chamar de realista é exagero) que agradou público, crítica e fãs xiitas.
No entanto, houve uma época não muito distante em que cada Batman lançado era apredejado por todos os lados: uma hora era a escolha de Michael Keaton, que não tinha cara nem corpo de super-herói; depois, a infeliz idéia de botar na história um Robin marmanjão; e finalmente, a transformação de Gotham City em um desfile de escolas de samba. Revendo hoje em dia os quatro filmes do Batman da década de 90, continuo achando “Batman Eternamente” bem fraquinho (seu sucessor, cujo nome nem vale a pena mencionar, é tosqueira hors-concours) e o primeiro apenas interessante. “Batman – O Retorno”, ao qual assisti no cinema duas vezes quando tinha lá meus sete anos, é sem dúvida o meu preferido de toda a safra.
É fácil notar a marca de Tim Burton logo na primeira cena: neve caindo, trilha do Danny Elfman com órgãos e corais, a imponente mansão dos Cobblepot e três gritos em seqüência: o da mãe que sofre para dar à luz, o do bebê que nasce e o do pai que, aterrorizado, descobre que seu pimpolho é uma pequena aberração. “Edward Mãos-de-Tesoura” total. Pouco tempo depois, decidem se livrar do estorvo e o menino é lançado num rio pelos próprios pais. Ele acabará no esgoto, onde será criado por pingüins e morará nos próximos trinta e três anos. Entra o magnífico tema de Danny Elfman junto com os créditos iniciais.
O maior acerto de “Batman – O Retorno” é esse: o tom. A história – o magnata Max Shreck é chantageado pelo Pingüim para que ele o ajude a aparecer em Gotham como eminente figura pública – tem lá os seus problemas, umas cenas manjadas aqui, uma falta de fidelidade com os quadrinhos acolá. É o clima sombrio com um pé no bizarro, tipicamente burtoniano, que segura as pontas.
Michael Keaton, eterno Beetlejuice e principal alvo das críticas no primeiro filme, aqui não incomoda tanto. Faz um Bruce Wayne correto e um Batman ainda longe do ideal, mas igualmente distante de sua encarnação anterior (o barrigudo Adam West da série dos anos 60) e das posteriores (o inexpressivo Val Kilmer e o inconvenientemente risonho George Clooney). Christopher Walken, como o chefe canalha de Selina Kyle, entrega uma boa atuação como sempre, mesmo que seu Max Shreck seja um tanto avulso (consta que, numa das primeiras versões do roteiro, seu personagem seria substituído por Harvey “Duas Caras” Dent, o que faria muito mais sentido). Mas, como de praxe nos filmes do Morcegão, quem importa aqui são os antagonistas.
Inaugurando a moda que seria a ruína das atrocidades cometidas por Joel Schumacher (mas que Nolan trabalhou bem em suas duas obras), agora são duas ameaças a Gotham City. De um lado, Michele Pfeiffer, no auge dos seus trinta e três aninhos, encarnando a Mulher-Gato com todos os adjetivos que se esperaria da vilã: bonita, gostosa, felina, traiçoeira. A origem da personagem diverge da dos quadrinhos: de ex-prostituta que estuda artes marciais e passa a roubar, virou uma secretária que descobre falcatruas do chefe e é jogada para a morte do prédio do escritório, mas sobrevive – ou “revive” – para se tornar a perigosa criminosa. Ainda me lembro de quando assisti, no longínquo ano de 1992, à transformação de Selina Kyle na vilã: entorpecida, virando leite como quem bebe tequila, destruindo o apartamento, assassinando os bichos de pelúcia no triturador da pia, quebrando o letreiro luminoso que enfeita a parede (“Hello There” vira “Hell Here”) e mostrando-se uma exímia costureira ao criar para si seu uniforme de Mulher-Gato.
Do outro lado, temos o antológico Pingüim (me recuso a eliminar o trema) vivido por Danny DeVito. A premiada maquiagem, que o próprio DeVito foi proibido de descrever para quem quer que fosse durante as gravações, tornava o ator quase irreconhecível: narigão pontudo, olheiras profundas, lábios roxos, uma careca considerável e cabelos compridos escorrendo pela nuca. O monóculo e a cigarrilha na boca, marcas registradas do vilão na série dos anos 60 e no glorioso desenho Superamigos (“Enquanto isso, na Sala de Justiça…”), foram deixados de lado, mas acabaram devidamente homenageados na cena inicial, na face do pai do Pingüim. Mas as inúmeras e esdrúxulas sombrinhas não foram esquecidas e aparecem numa variedade de fazer inveja à Rihanna: temos sombrinha-lança-chamas, sombrinha-espada, sombrinha-hipnotizadora. O visual do vilão é tão legal que a geladeira lá de casa traz um boneco do Pingüim de Danny DeVito fazendo companhia às tradicionais aves marinhas.
“Batman – O Retorno” traz algumas cenas que sempre me ficaram na memória, como a sabotagem do Batmóvel (aliás, um dos melhores modelos de toda sua história), o Pingüim mordendo o nariz de um engraçadinho que ousou fazer piadinha com ele, e a linguada de Mulher-Gato no Batman no topo do prédio. Se o desenvolvimento da história não agrada tanto, o final não é satisfatório e os roteiristas continuam com a desagradável mania de eliminar personagens que poderiam render muito mais em filmes futuros, paciência. Temos que agradecer Tim Burton por manter o Cavaleiro nas Trevas a que o personagem pertence. Porque quando ele saiu de cena, deu no que deu.
Batman Returns, EUA/Reino Unido, 1992
Direção: Tim Burton
Roteiro: Daniel Waters
Com: Michael Keaton (Batman), Danny DeVito (Pingüim), Michele Pfeiffer
(Mulher-Gato), Christopher Walken (Max Shreck), Michael Gough (Alfred)
e grande elenco